Chegou o dia mais colorido do ano, o Dia do Orgulho LGBTIQ+ (lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros – travestis, transexuais – intersexuais e queers).
Celebramos o dia 28 de junho desde 1969, quando ocorreu um episódio de afronta ao comportamento da polícia no bar Stonewall Inn em Nova York. Pessoas gays, lésbicas e trans reagiram como um sinal de revolta por serem perseguidas onde quer que estivessem.

A perseguição e discriminação por pessoas LGBTIQ+ decorre simplesmente da sua orientação sexual ou identidade de gênero desde a Idade Média, quando houve direta influência dos dogmas religiosos na filosofia de vida da maior parte do mundo.
Em muitos países do mundo, sentir atração por pessoas do mesmo sexo ainda é punido com tortura e morte, levando essas pessoas a viverem em guetos, escondidas, sem poderem praticar seu sentimento mais íntimo.

No Brasil, mais de uma pessoa LGBTIQ+ morre por dia por simplesmente se sentir “diferente” e causar indignação nos próprios familiares que tiram as vidas de seus filhos em nome de Deus e dos “bons costumes”.
Boa parte do mercado de trabalho sofre pela falta de mão de obra qualificada ao mesmo tempo em que se recusa, expressamente, a expor essas pessoas pelo medo do que os clientes vão pensar. Um paradigma fechado que inibe, ainda mais, a contínua construção do ser humano, em prol da lucratividade.
Hoje quero te apresentar as histórias de pessoas, baristas, que têm muito a dizer sobre Gênero e Diversidade no Café Especial, com uma mensagem única para você, caro leitor:
Você sabia que existe um Projeto no mundo do café focado em ajudar essas pessoas?
Começamos com o Projeto Jovens Baristas, idealizado por Kivian Monique.

O Projeto Jovens Baristas “é a materialização do desejo de dar oportunidade e mostrar um mundo novo para pessoas em situação de vulnerabilidade social. Café pode sim mudar vidas”, diz Kivian ao explicar o projeto.

Tudo começou na necessidade de pessoas menos favorecidas terem acesso a conteúdos de café com maior facilidade, visto que muitos assuntos são “elitizados”. O alto custo afasta as pessoas da qualificação apropriada para ingressarem ao mercado de trabalho, incluindo o de cafés especiais.
“Claro que em Minas/BH está cheio de pessoas LGBTIQ+ com condições financeiras para arcar com uma profissionalização no ramo de cafés. Mas e os que não tem?”, complementa ela.
Na maioria das vezes são expostas a trabalhos na madrugada, em bares, sem contratos de trabalho, ou qualquer outro tipo de trabalho informal, não permitindo que tenham uma vida estável.
O Projeto ensina a profissão de forma mais acessível possível, encaminhando para o mercado de trabalho e acompanhando o processo de adaptação junto ao empregador, dando suporte para evolução profissional após a conclusão do curso. caso se interessem. Tudo com o acompanhamento do nosso parceiro Psicólogo, Éverton Pereira.
VEJA TAMBÉM: A PROFISSÃO BARISTA NO BRASIL
Luar, 19 anos, barista de Belo Horizonte, define-se como uma pessoa de identidade de gênero trans não-binária, ou seja, sem gênero, que TRANSgride a norma: “não me identifico nem como homem, nem como mulher. Esse termo nasceu para designar pessoas que não se encaixam em nenhum desses dois gêneros que todos conhecemos”, afirma.

Ao contrário do que muitos pensam, o termo GLS (gays, lésbicas e simpatizantes) já não cobre em sua integridade as infinitas formas de se sentir, se perceber e exteriorizar suas emoções. Utilizá-la é ignorar todas as pessoas que, atualmente, por fim, encontraram termos com os quais mais se identificam.
“Ah, mas isso é modinha, antes só tinha gay e lésbica” é um pensamento generalista que não representa mais nossa complexa, variada e colorida sociedade. Com o tempo e os movimentos sociais, conquistou-se a utilização da sigla LGBT, com suas respectivas variações, depois de muito sangue e suor. O “T” passou a representar todos os transgêneros, que envolve Travestis, e Transexuais, que são pessoas que não se identificam com o gênero que lhes foi atribuído no nascimento.
Sentir-se assim leva essas pessoas a sofrerem preconceito diariamente, afetando diretamente sua autoestima e o modo que são percebidas. “É bem complicado ver sua identidade sempre apagada, por falta de empatia ou ignorância dos outros. Todos os dias tenho que lidar com olhares e falas estereotipadas sobre meu corpo ou quem sou”, diz Luar.
Luar entrou no mundo dos cafés especiais por meio do Projeto Jovens Baristas:
Lembro do rosto daquela mulher [Kivian] que me passou segurança, ela parecia ser tão forte, sabe? Falava com paixão sobre o projeto, o futuro das aulas, e eu me identifiquei tanto, quis ser como ela. […] Num mundo cheio de desinformação, falta quem ensine, quem dialogue de forma amigável para um melhor entendimento das coisas, seria tudo mais fácil se Gênero e Sexualidade fossem discutidos em casa, em sala de aula, desde cedo.
[…] Às vezes eu queria que as coisas fossem mais fáceis, sabe? Não ter que lutar e reafirmar pro mundo o tempo inteiro que eu existo e mereço respeito, uma chance de viver e conquistar um mundo como todos os outros.
Luar almeja conquistar a estabilidade financeira, a retificação de seu nome, a cirurgia de mastectomia e um lar. Há muita luta à sua frente por coisas que muitas pessoas não se importam e nem sabem que existem.
Gustavo Morato, 19 anos, barista também de Belo Horizonte e do Projeto Jovens Baristas, é homossexual. Ele se assumiu há cerca de 2 anos e não sofreu discriminação grave no mundo do café, mas afirma: “Que LGBTIQ+ nunca recebeu um olhar torto ou escutou palavras ou expressões homofóbicas como “Bichinha” ou “Que viadagem!”?

Falta respeito, empatia, compaixão e muitas outras coisas à essas pessoas que devem entender que o nosso amor nunca será problema, mas a discriminação delas sim. Logo, é querer a liberdade de simplesmente poder andar nas ruas com tranquilidade.
Gustavo se encontrou no ramo do café, pois adentrou num ambiente em que ele pode ser ele mesmo, sentindo-se realizado por trabalhar com o que ama. E ainda grita ao mundo: “Não deixem de acreditar em um amanhã melhor e em uma comunidade mais amorosa. Orgulhem-se de si mesmos, não há nada errado conosco. Tudo isso requer coragem. Sejam corajosos e busquem a própria felicidade!”.
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Dênis é um homem trans, ou seja, se identifica com o gênero masculino, mas nasceu em corpo feminino. Diferentemente de trans não-binário, que não se identifica com nenhum dos dois.

Ele nasceu no Rio de Janeiro como menina, e cresceu numa cidade pequena do Vale do Paraíba. Quando descobriu que gostava de meninas, a comunicação com a família começou a trazer problemas.
Até meus 23 anos eu era uma garota que ficava com garotas. E constantemente me demandavam que minhas roupas e comportamento se enquadrassem ao meu sexo. O clássico “tem que furar a orelha da neném pra saberem que é uma menina”.
Eu sempre rejeitei esse estereótipo e tinha consciência de que não preciso ser feminina só por nascer com um órgão genital feminino. Nunca me entendi “mulher” e nem me acostumei com isso. Não estava confortável em ser tratado no feminino, mas achava que não havia nada que eu pudesse fazer.
[…] Eu aceitei o fato de que eu sou, sim, um homem, e que só eu posso dizer quem eu sou. Mas também precisei aceitar que as pessoas não enxergavam isso, e que eu precisaria explicar pra elas.
Incentivado pela mãe, quando Dênis começou a estudar café, se apaixonou pela área e se dedicou a continuar aprendendo. Trabalhou em algumas cafeterias, passou por treinamentos e foi acolhido por seus chefes da melhor maneira possível. Ele coloca honestidade e dignidade como sinônimos de sucesso e acima de qualquer nomenclatura de Gênero e Sexualidade.
Gênero e Sexualidade costumam ser termos facilmente confundidos pelas pessoas no geral, que interpretam os conceitos equivocadamente e julgam essas pessoas antes mesmo de conhecê-las.
Veja a seguinte ilustração para entender os principais conceitos no mundo LGBTIQ+. O grande aprendizado disso é entender que existem milhares de possibilidades e níveis de atração e identificação, não somente duas.

As mais confundidas são Identidade de Gênero e Orientação Sexual. A Identidade diz sobre si, e reflete na pergunta: “como me vejo, como me considero?”. Somente a pessoa dirá como se sente, independente do seu sexo biológico ou de como ela aparenta fisicamente. E a Orientação diz sobre o outro: “por quem sinto atração afetiva, física e/ou sexual?”.
Ananda também é homem trans, tem 30 anos, e durante toda sua vida se viu como homem, mesmo nascendo em corpo feminino, e não sofreu discriminação por isso, tendo sempre muito apoio da família. “Mas coisas simples como usar um banheiro público é um desafio imenso e evito ao máximo”, diz.

“Estou ciente que essa não é a realidade da maioria das pessoas LBGTIQ+, e que por não sofrer com isso não significa que isso não exista. Existe, e muito! Me sinto um cara de sorte, privilegiado”, esclarece.
Meu primeiro emprego formal foi num café e dali não parei mais. Atualmente trabalho em um, e o fato de ser trans não me causa nenhum tipo de desconforto, pois lá sou aceito e respeitado, fazendo me sentir super bem. Os donos são LGBTIQ+ e super apoiam e respeitam toda nossa luta.
Não foi o caso da Thaís, por exemplo. Ela tem 26 anos, e se considera trans não-binário, sentindo-se dentro dos dois gêneros. Ela gosta de algumas de suas características femininas, mas também ama seu lado masculino. “Quero realçar esse lado masculino cada vez mais, pois desde que o abracei, me sinto muito bem e minha auto estima tem aumentado muito”, complementa.

Thaís caiu de paraquedas numa entrevista de emprego para barista, num café que fazia parte de um restaurante, iniciando sua trajetória no mundo do café especial. Foi amor à primeira vista!
Foi quando começou a se especializar, procurar cursos, investir muito nessa profissão. E nessa procura, conheceu o Barista Wave, seu primeiro curso de barista, com o Daniel Teixeira, criador desta revista eletrônica.
Ela enfrentou desafios ao entrar no mercado do trabalho, e retrata um pouco dessa história:
Apesar de dar duro para ser uma excelente profissional, não consegui nenhum reconhecimento nesse mercado, os salários eram cada vez mais baixos, o trabalho cada vez mais desvalorizado, enfrentei o machismo de frente, pois esse mercado é, em grande maioria, dominado por homens.Sempre que falava eu era interrompida, sempre sabia menos que os outros, sempre era questionada sobre tudo que fazia. Até que chegou um ponto que eu fazia tudo na cafeteria, menos café.
Montava marmitex, limpava chão, banheiros, mesas, lavava louça, embalava produtos congelados para venda, limpava vidros, freezer, rechaud, organizava estoque, prateleiras, fazia atendimento, cobrava, mas na hora de fazer o café era como se fosse um momento de protagonismo, onde só uma pessoa poderia bilhar e se destacar, o dono da cafeteria.
Enfim, tudo isso foi me desmotivando muito, tive experiência em uma segunda cafeteria, e acredite, foi pior. […] tive que lidar com uma total falta de preparo dos proprietários para falar com os funcionários, era tudo resolvido nos gritos, berros e ofensas. Fora a desonestidade, onde cobravam 10% dos clientes e não repassavam aos funcionários, que muitos trabalhavam de forma irregular e eram submetidos a várias funções aleatórias, tais como cuidar do filho dos proprietários durante o expediente, por exemplo.
O que falta para as pessoas é dar valor ao que realmente importa, sabe?Acho que perdemos muito tempo nos importando com o superficial, com o passageiro, com os rótulos e com a aprovação e opinião dos outros. É muito difícil se libertar do “o que vão pensar de mim”, até porque temos medo da solidão e do desprezo, mas a liberdade e a autoaceitação nos trazem amizades e amores mais sólidos, que levam tempo a serem construídos, sim, mas que permanecem durante os furacões.
Por fim, Thaís deixa as seguintes reflexões a todos:
- Se você julga alguém pelo exterior, qual a base do seu julgamento, e o que isso diz sobre você?
- O que importa se meu corpo é feminino, masculino, ou os dois? Ou se não me encontro dentro da minha determinação genética?
- Qual é o problema de amar outra pessoa pelo que ela é como ser humano, seja homem ou mulher?
- O que muda se me visto diferente do que foi imposto pela sociedade?
- Esses são os valores mais importantes?
- Não deveríamos estar nos preocupando com outras coisas, já que vivemos em um mundo tão injusto e, muitas vezes, cruel?
- O que você já fez para ajudar alguém e deixar algum legado nesse mundo?
Por fim, como orienta Thaissa Cordeiro, também colunista desta Revista, apenas reflita sobre essas histórias e realidades apresentadas neste artigo. São pessoas que têm tanto direito quanto às demais, que envolvem ter a sua liberdade, seu reconhecimento e as mesmas oportunidades no mercado de trabalho. Chegou a hora do segmento do café acolher essas pessoas e dar voz a esses talentos.
Leia aqui as histórias completas do Projeto Jovens Baristas (Kivia Monique), Luar, Dênis, Ananda e Thaís, que abriram seus corações para compartilhar com o mundo suas mensagens.

William Bryan é criador de experiências e formador de mestres na arte da extração de cafés. Advogado apaixonado pelo domínio das variáveis e pela masterização de técnicas avançadas.
http://www.cafeencanto.com.br/
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