Quando comparamos a cultura do consumo de café do Brasil com a de outros países, percebemos como ela reage a diferentes estímulos. Seja pelo grande fluxo de informação das metrópoles, pelo acesso facilitado a cafés de alta qualidade desses locais ou mesmo pela tecnologia de ponta que oferecem.
Se você se lembra, caro leitor, há um ano fizemos um comparativo da cultura do consumo de café no Brasil e Nova York, cidade onde mergulhei no mundo do café e tive a oportunidade de trabalhar como barista.
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No momento em que escrevo este artigo, estou em Londres, desempenhando o mesmo trabalho e vivendo uma experiência em café que novamente se diferencia em diversos aspectos.
Vou te apresentar quatro desses aspectos pela minha visão, e pela visão do meu parceiro, também viajante, Douglas Condé, que está trabalhando em Londres como barista. Ele é mestre de torra, classificador e importador de café, atua há 8 anos no mercado de cafés especiais e já conheceu 9 países em busca de conhecimentos na área.

CULTURA DO CONSUMO DE CAFÉ
Em ambiente de cafeteria, mesmo estando em fase de pandemia, percebemos como o público procura o café especial. Apesar de muitas vezes não sabendo o real conceito de café especial, a busca por cafés menos amargos é latente.
Em cidades como Londres e Nova York, grandes cadeias de cafeterias como a Starbucks, Costa Coffee e Caffè Nero invadem as principais avenidas, servindo cafés de torra muito escura e grãos de baixíssima qualidade com caldas e concentrados. Por essa razão, as pessoas começaram a procurar alternativas sustentáveis.
As alternativas são grãos melhores selecionados na origem, com torras mais claras com sensoriais possíveis de explorar, “leites vegetais” de alta qualidade para os veganos ou com restrição ao leite, e ambientes mais aconchegantes e amigáveis.
Tudo isso pode ser encontrado nas cafeterias de bairro e redes pequenas, impulsionadas por empreendedores que já integram a cadeia do café há um tempo, e entendem a experiência que podem oferecer para se diferenciarem em qualidade de sabor, origem de produtos e carinho em hospitalidade. É o que chamamos de café sensível.
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Como o brasileiro, os americanos e ingleses também bebem muito café, mas não somente pelo prazer que o ritual e sabor oferecem, mas pela dose de cafeína. É muito comum pessoas acima dos 40 anos passarem três ou quatro vezes pela nossa cafeteria para tomar a dose de espresso, que as ajudarão a encarar com mais disposição o fim do dia.
Em metrópoles como esta, encontramos cafeterias de terceira onda por todas as partes, facilitando a parada das pessoas para pegarem seus cafés, enquanto vão ao trabalho. E se elas levarem seus próprios copos reutilizáveis, ganham desconto de 10 centavos, por contribuírem com o meio ambiente.

No Brasil, a cultura “to go” ainda está em desenvolvimento, pois o brasileiro tem o forte hábito de frequentar as cafeterias e aproveitar seu café sentado à mesa. Já nos Estados Unidos, o conceito “to go” é o mais praticado.
ESPRESSO E BEBIDAS VEGETAIS
Quando Douglas iniciou seu trabalho em Londres, ficou surpreso pela gigantesca demanda por bebidas à base de espresso. E quando a bebida é feita com leite, mais de 40% delas são feitas com leite vegetal: aveia, soja, coco ou amêndoa, sendo a primeira a mais popular e a última, a menos pedida.
Douglas é consumidor de bebidas vegetais, e ele acredita que essa alta demanda se deva em parte ao alto custo de uma bebida de soja ou amêndoas no mercado brasileiro. Como ele explica, nota-se aqui a expansão do consumo mais consciente, como, por exemplo, não consumir alimentos de origem animal, seja pelo impacto ambiental que a produção de gado causa ou por preferência pessoal.
Isso reflete no barista, pois as bebidas vegetais têm outra química e outra técnica para vaporizar, o que nos obriga a evoluir.
Nós percebemos que as bebidas de amêndoa e coco, por exemplo, chegam na textura ideal mais rápido do que o leite tradicional, e não temos muitos estudos sobre isso.
Por outro lado, dependendo da marca da bebida de soja, é quase impossível alcançar uma textura própria para latte art. Ou a bebida não possui quantidade ideal de proteína, para criar e estabilizar a micro-espuma (já que é a proteína do leite que estabiliza a formação das bolhas), ou a alta acidez do café a faz coalhar rapidamente no momento do despejo.
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Fazendo um comparativo com Brasil e Portugal, onde as pessoas costumam mais sentar para tomar um café e apreciá-lo, sem uma cultura forte de café para viagem, notamos como os baristas londrinos e nova-iorquinos precisam trabalhar mais rápido, por conta do alto fluxo das cafeterias, e ainda manter a alta qualidade nas bebidas para viagem.
Estou aprendendo a juntar a dinâmica do tempo, com a maestria, pois não entregamos nenhuma bebida que não esteja dentro dos nossos parâmetros de qualidade. Se algo deu errado, refazemos.
Enquanto que em uma cafeteria em Minas Gerais, Douglas costumava fazer mais de 50 litros de café coado em um dia, e eu mais de 20 litros, aqui esse volume não chega nem a quatro litros. Isso é um belo indicativo de como as pessoas aqui optam muito mais por bebidas à base de espresso.

Se tantas pessoas gostam da dose diária de cafeína, por que optam mais pelo espresso do que pelo coado? Não saberiam elas que um copo de coado possui mais cafeína que uma dose espresso, ou simplesmente escolhem o espresso pelo sabor que ele tem?
Eu questionei alguns clientes sobre isso, e a resposta foi unânime: escolho o espresso pelo sabor. Isso vai ao encontro da popularidade das bebidas com leite. Se você, caro leitor, ainda não experimentou um espresso com “leite de aveia” de alta qualidade, está perdendo uma experiência sem igual.
A bebida de aveia mais famosa daqui, com melhor branding e causa por trás da produção de bebida que não seja de origem animal, é produzida pela marca super-despojada Oatly. Seu gosto preenche a boca, fazendo-nos salivar por causa de uma percepção complexa, mas muito atraente, de doce e ácido com um toque de salgado.
CARTA TRADICIONAL DE CAFÉS
Quando estudamos as bebidas clássicas tradicionais de cafeteria, enxergamos uma história por trás de cada drink e um motivo único que justifica a sua receita.
Mas, nem sempre enxergamos os clássicos nas cafeterias. Em muitos lugares se preza pelo ambiente, a música, as poltronas, os objetos de decoração, enquanto em outros, os sabores e suas intensidades, a assinatura de cada drink.
Isso faz muitas cafeterias gourmetizarem os cafés clássicos, para atenderem um público específico, dando-lhes nomes criativos. Por outro lado, as cafeterias de terceira onda não costumam gourmetizar.
Nas cafeterias que entrei em São Francisco, Chicago, Nova York, Genebra e Londres, somente os clássicos constavam em seus cardápios, do Flat White ao Piccolo ou Macchiato, do Long Black ao Americano. Com pequenas variações, mas sem gourmetizações com o uso de chantillys e caldas como as grandes redes.
Nós, do mundo do café, aprendemos como o Long Black costuma diferenciar-se do Americano, simplesmente pela ordem dos ingredientes. No Long Black, a água vem primeiro e depois o espresso, e Americano é ao contrário.

Nos locais onde Douglas e eu trabalhamos, a diferença entre elas está somente no volume de água. Aqui em Londres o Long Black tem a metade de água que um Americano, sendo ambos drinks preparados com água primeiro e espresso depois. Entretanto, tem barista por aqui que prepara o Long Black com um dedo de água e o espresso por cima.
Outra diferença notável é entre Piccolos e Cortados, confundindo-se os nomes. Clientes pedem Piccolos, que é servido com uma parte de espresso e uma parte de leite vaporizado, sendo que essa é a receita clássica do Cortado espanhol.
Além disso, até o presente momento, ninguém pediu ristretto ou lungo, por incrível que pareça.
Em Nova York costumávamos servir espressos na proporção 1:1,5, ou seja, 18,7g de café para 28g de bebida em 28 segundos, alcançando um equilíbrio em sabor e corpo.
Aqui em Londres, especialmente na cafeteria onde trabalho, o foco é ressaltar a acidez do café de torra clara e origem colombiana, e, quando misturado com leite, produzir bebidas com bastante leite. Por esse motivo nosso espresso tem uma proporção de 1:2,5 sendo 19g de pó para 47g de bebida em 24 segundos.
Ou seja, considerando a torra clara e a maior quantidade de água passando rapidamente pelo pó, só podemos esperar uma bomba de acidez na boca.
Os Lattes to go são servidos em copos de até 360ml, para quem gosta de uma bebida com bastante leite. Já os Cappuccinos são servidos no mesmo copo, só que com proporção fora do politicamente correto.
O que é entendido como Cappuccino na proporção 1/3 espresso, 1/3 leite e 1/3 espuma (1:1:1 ou 1:2:2), nos nossos copos para viagem temos uma parte de espresso para quase dez de leite e espuma.
Por fim, o Flat White se diferencia do Latte apenas no tamanho do copo, que é de 240ml.
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EQUIPAMENTOS DE PONTA
Douglas trabalha em uma cafeteria mais moderna, mas ambos servimos a mesma quantidade de coados por dia.
No caso dele, o coado é facilitado pelo uso de equipamento de alta tecnologia, como a máquina SP9 de alta precisão e controle de variáveis, que o ajuda a performar melhor durante o alto fluxo de trabalho. Nela, basta configurar a sua melhor receita, testada e aprovada, e deixar o Kalita ser preparado automaticamente.

O acesso mais fácil a estes equipamentos enriquece muito um barista. Infelizmente é difícil vermos uma cafeteria muito equipada no Brasil, eu espero que isso mude em breve.
Muitas vezes isso acontece em razão do preço, mas também pelo difícil acesso a equipamentos mais modernos.
Como percebe Douglas, os modelos de cafeteria, torra e menu de drinks são muito semelhantes na maior parte dos países europeus e norte-americanos, mudando apenas a demanda e o ritmo de cada uma. Já quando comparados ao Brasil, as diferenças da cultura do consumo de café são bem maiores.
Nisso, continuamos conhecendo a cultura do consumo de café de diversas regiões e comparando todos seus aspectos essenciais para um serviço de hospitalidade de excelência e, claro, que carreguem consigo a essência da união de pessoas.

William Bryan é criador de experiências e formador de mestres na arte da extração de cafés. Advogado apaixonado pelo domínio das variáveis e pela masterização de técnicas avançadas.
http://www.cafeencanto.com.br/
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